Entrevista sobre o copyright na newsletter da Associação Italiana das Bibliotecas
Giap nº 1, III série - Uma comunidade aberta - 10.Junho. 2002

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[Demos uma entrevista sobre o copyright na "AIB notizie", a newsletter da Associação Italiana das Bibliotecas (www.aib.it <http://www.aib.it>), que deverá sair no número deste mês. Parece-nos que terá sido a ocasião onde de forma mais clara explicámos a nossa posição, sendo esta quase uma adenda à "Declaração de Intentos" de Janeiro de 2000. Por este motivo, propomo-la em antestreia absoluta.]


1.    O que é que pensam acerca da recente lei de direitos de autor que impede (também nas bibliotecas) que se exceda um limite de 15% na reprodução de textos no mercado? Pode ser este um modo efectivo para salvaguardar os autores e favorecer o mercado do livro e a difusão da leitura?

«Não. A difusão da leitura estimula-se permitindo a difusão dos textos, não a sua restrição. Se uma pessoa não tem os 20 e tal euros necessários para a compra de um livro, não os tem e basta. O que poderá fazer? Procurar o pote de ouro no arco-íris? A interdição à reprodução irá atingir um grupo alvo de pessoas que as editoras (também as discográficas) há já muito tempo perderam, por causa de políticos míopes, da contínua subida dos preços e da generalizada falta de qualidade. No âmbito universitário, se se pensa nos numerosíssimos textos incluídos nos programas, mesmo os medíocres ou muitas vezes péssimos, só porque foram escritos por amigos ou companheiros de cortesia...
Na generalidade, observa-se que, a uma escala planetária, toda a legislação do direito de autor é expressão de uma mentalidade oligárquica e repressiva, sempre mais disposta a defender os privilégios de obsoletos lobbies, multinacionais e potestades que vivem da apropriação indevida daquilo que deveria ser de todos.»


2.    Quais são as soluções alternativas?

«Naquilo que diz respeito à universidade, o problema está bem mais a montante, os livros metem nojo e, no entanto, custam os olhos da cara. Falando de uma forma mais genérica, somos pela liberdade de reprodução. A liberdade de reprodução não limita as vendas nas livrarias: são circuitos diferentes, aproximações diferentes, suportes diferentes. Experimentamo-lo todos os dias com os nossos livros, que demonstram o que se disse: "É permitida a reprodução parcial ou total da obra e a sua difusão por processos electrónicos para uso dos leitores, contanto que sem fins comerciais."
Esta última indicação tem também um significado político: o direito convencional, de impressão liberal-burguesa, constrói-se em volta de um indivíduo que, bem visto, é um indivíduo abstracto, não diminuído no social: é o assim chamado "indivíduo proprietário", descrito como perenemente igual a si mesmo, prescindindo de contextos. Ao invés, nós acreditamos que haja uma enorme diferença entre indivíduos e indivíduos, e assim entre direitos e direitos. É o mesmo que dizer que as liberdades de que deve usufruir o leitor individual que quer ler um livro nosso mas não tem dinheiro para o comprar, não estão em pé de igualdade com as obrigações que contrariamente são impostas às grandes potestades económicas. Para escrever um romance como os nossos são precisos três anos de trabalho duríssimo, entre pesquisas, redacção, revisões e centenas de apresentações por toda a Itália. Aos peixes-cães da grande indústria cinematográfica ou televisiva não deve ser consentido parasitar este nosso compromisso e - sem pagar um cêntimo - extrair filmes das tramas que elaborámos, em seguida fazer milhões e reforçar a sua posição de domínio. Nestes anos percebemos o quanto foi importante plantar no terreno este alicerce, também se alguns puristas do não-copyright nos tenham criticado, ignorando os riscos que se correm quando se tem esta profissão e, no fim de contas, ignorantes do facto que a sociedade está dividida em classes :-)
Estamos sempre à procura de indicações e soluções mais concretas, satisfatórias e utilizáveis por outros. Entretanto, podem fotocopiar os nossos romances e esfregar as advertências na cara dos inspectores SIAE (Società Italiana degli Autori ed Editori) ou dos agentes da GdF (Guarda di Finanza):-)»


3.    Com efeito, o Wu Ming pôs, de facto, em crise a própria figura do autor como pessoa individual e, como consequência, da propriedade literária enquanto tal. Como nasce esta escolha e que visão da literatura subentende?

«Não fazemos outra coisa que não tornar explícito o implícito. Na verdade, nenhum autor inventa o escrever sozinho, e não nos referimos só ao editor ou ao ghost writer de turno, mas ao facto de que as ideias estão no ar e não pertencem a único indivíduo. O autor, qualquer que seja ele, é sobretudo um "redutor de complexidade" e desenvolve uma função temporária, isto é, fazer uma síntese precária a partir dos fluxos de informação/imaginação que sejam transmitidos por toda sociedade e que a atravessem de um lado ao outro, sem paragens, como as ondas electromagnéticas.
Por princípio é absurdo querer impor uma propriedade privada da cultura. Se no fundo tudo é produto da multidão, é justo que todo o "produto do engenho" esteja à sua disposição. Não existem "génios", logo não existem "proprietários". Existe sim a troca e a reutilização das ideias, ou seja, o seu melhoramento. Já o dizia Lautreamont: porque as ideias progridem é necessário o "plágio" (e, assim, também a sua pré-condição, isto é, a pirataria, a reprodução livre).
Na história recente, esta posição - até há poucos séculos atrás considerada óbvia e natural - foi somente sustentada por expoentes das correntes radicais e antagonistas [...]. Hoje volta a ser uma visão hegemónica, graças à revolução digital e, mais especificamente, graças ao grande sucesso do software gratuito, GNU, Linux, etc.
Da outra parte da barricada está tudo aquilo contra o que a esquerda se bateu, em todas as suas cambiantes, desde o fim do Iluminismo: os tributos nobiliárquicos, a "mão-morta" aristocrática, a exploração dos resultados do trabalho por parte das classes abastadas parasitárias.
Mas, como dizíamos, tratam-se de classes e interesses obsoletos: também à luz de como funciona a hodierna produção de riqueza, o copyright é agora um instrumento superado, um escombro ideológico cuja existência castra a inventividade, limita o desenvolvimento do "capital cognitivo", desenvolvimento esse que, hoje, requer cooperação social em rede, *brainstorming* em todos os campos. Para sermos produtivos, as ideias devem estar em livre circulação.
Se quiséssemos usar uma terminologia marxiana clássica, diríamos que hoje o desenvolvimento das forças produtivas põe em crise as relações de produção. Pensamos nos programas peer-to-peer que permitem a partilha de ficheiros MP3. Pensamos nas tecnologias de reprodução como os gravadores. A sua própria existência é a prova de que a Convenção de Berna sobre os direitos de autor foi superada nos factos, pelo próprio desenvolvimento das forças produtivas. Por outras palavras: não se podem pôr no mercado tecnologias como remasterizadores, computadores, scanners, gravadores, fotocopiadoras, e depois fazer intervir os governos e as forças policiais porque as pessoas os utilizam... de uma forma "errada".
Contra este vasto (e ainda não totalmente consciente) movimento, entra em campo uma resistência feroz por parte das máfias da propriedade individual, através do agravamento das leis vigentes. E não só: desferra-se também um contra-ataque em larga escala para estender a lógica da propriedade individual a seres vivos e sequências genéticas humanas. Por aqui percebe-se que o copyright é a principal linha de frente do actual conflito sócio-ecológico.
De qualquer forma, na indústria cultural estamos "nós" a ganhar, basta pensar na música: hoje todas as casas discográficas choram miséria, insurgem-se contra a "pirataria", vêem drasticamente reduzidas as suas margens de lucro. Perfeito! As bolas de sabão rebentam, redimensionam-se fenómenos de parasitismo que tinham assumido proporções ridículas: cabotinos milionários só porque no bar se toca há trinta anos a sua única canção de sucesso, uma sociedade bem característica que monopoliza a administração do "direito de autor", extorquindo dinheiro graças a extravagantes subtilezas legais e dividindo-o entre a Grande Família que a gere, etc.
A fruição da música (e não só) está a mudar, a "cultura de massas" deixa o lugar livre para uma nova forma de cultura "popular", na qual contam sempre mais as exibições ao vivo, as redes solidárias, a partilha, o do-it-yourself (auto-produção, auto-distribuição, passa-palavra) e, no fim de contas, pouco importará saber quem compôs ou escreveu o quê. O artista será cada vez menos um Divo (o Autor) e cada vez mais um jogral, trovador, bardo, griot.»

 


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