WU MING FOUNDATION: QUEM SOMOS, O QUE FAZEMOS
Índice
00. Prólogo
01. Quem é Luther Blissett. Nascimento de um herói popular
02. Curiosidades sobre Luther Blissett (Música, discursos, Vídeo etc.)
03. Tornar famosos artistas imaginários
04. Tornar famosos lunáticos imaginários
05. A noite em que Luther Blissett seqüestrou um ônibus em Roma
06. O romance Q. Fazer o possível e seguir em frente
06b. Parece que Thom Yorke tem uma nova missão :-)
07. Copyleft! Desde 1996
08. Wu Ming. Mais do que você esperava de um grupo de escritores
09. New Thing
10. Um exercício de lógica em benefício dos aparvalhados
11. O romance Manituana - primeiro volume de um tríptico do século XVIII
12. Lista incompleta de lendas urbanas e boatos a nosso respeito
13. Bibliografia
Prólogo
Em 1994, por toda a Europa, centenas de artistas, ativistas e gozadores decidem adotar a mesma identidade.
Todos se rebatizam Luther Blissett e se
organizam para infernizar a indústria cultural. Trata-se de um plano
quinqüenal. Eles trabalharão juntos para contar ao mundo uma grande
história, criar uma lenda, dar à luz um novo tipo de herói popular. Em
janeiro de 2000, no fim do Plano, alguns deles se reúnem sob o novo
nome Wu Ming. Este último projeto, embora mais
concentrado na literatura e na narrativa mais strictu senso, não é
menos radical do que o anterior.
Quem é Luther Blissett. Nascimento de um herói popular
"Luther Blissett" é um pseudônimo multiuso - uma "reputação aberta" -
adotado de modo informal e compartilhado por centenas de artistas e
agitadores europeus desde o verão de 1994.
Por motivos que continuam ignorados, o nome é tomado emprestado de um jogador de futebol inglês dos Anos 80 de origem afrocaribenha.
Na Itália, entre 1994 e 1999, o assim denominado Luther Blissett
Project (uma rede mais organizada dentro da comunidade que adota a
identidade "Luther Blissett") torna-se um fenômeno muito popular e
consegue difundir uma lenda, a reputação de um herói folk.
Este Robin Hood da era da informação inicia uma guerrilha dentro
de/contra uma indústria cultural em vias de radical transformação
(estamos nos primórdios da Web), organiza campanhas heterodoxas de
solidariedade a vítimas da censura ou da repressão e - principalmente -
prega elaboradas peças na mídia como forma de arte, sempre
reivindicando sua autoria e explicando quais defeitos do sistema
explorou para fazer publicar ou transmitir notícias falsas.
Blissett está ativo também em outros países, sobretudo na Espanha, na Alemanha e no Reino Unido.
Dezembro de 1999 marca o fim do Plano Quinqüenal. Todos os "veteranos" cometem um suicídio simbólico chamado "O Seppuku" (como o suicídio ritual dos samurais).
O fim do LBP não acarreta a extinção do nome, que continuará
reaflorando no debate cultural e sendo uma assinatura muito usada na
Web também na primeira década do século XXI.
O retrato "oficial" de Luther Blissett é realizado por Andrea Alberti e Edi Bianco
em 1994, misturando velhas fotos dos Anos 30 e 40 (três tios-avôs e uma
tia-avó de Wu Ming 1). Clique na imagem para baixá-la em alta definição
(jpg + zip, 500 dpi, 940 kB). Esta imagem é de domínio público, seu uso é livre.
Curiosidades sobre Luther Blissett
(Música, Discursos, Vídeo etc.)
Na noite de 2 para 3 de julho de 2006 morreu, com apenas 55 anos, Piermario Ciani,
artista gráfico, mail-artist, fotógrafo, editor, grande pregador de
peças, além de um dos fundadores do Luther Blissett Project. Nós o
lembramos aqui, aqui e aqui. Na seção "Sons" deste site há um tributo em áudio a Piermario, transmitido pela Rádio Onde Furlane em 5 de julho de 2006.
Teste sobre literatura italiana do diário inglês The Guardian. Dê uma olhada na primeira pergunta.
O fim do Plano Quinqüenal foi comemorado com o lançamento de Luther Blissett: The Open Pop Star,
uma compilação em CD cheia de eletrônica mutante, vozes misteriosas e
recortes em estado bruto. Entre os artistas envolvidos estava Merzbow, músico concreto nipônico de prolificidade inquietante. Você pode ouvir duas faixas do CD aqui.
Luther Blisset (com um t só) é o título de uma canção do álbum Cabin in the Sky, do Tuxedomoon (2004).
Na Grã-Bretanha, um dos primeiros utilizadores do pseudônimo multiuso foi o escritor Stewart Home, autor dos livros Come Before Christ and Murder Love e 69 Things To Do With a Dead Princess.
Clique aqui e ouça Stewart Home declamar o seu conto Cheap Night Out, ao vivo no Institute of Contemporary Arts, Londres, 28 de agosto de 1997 (mp3).
Clique aqui e veja Luther Blissett (o jogador de futebol) respondendo a uma pergunta sobre o Luther Blissett Project.
Clique aqui e ouça The Luther Blissett Enigma, um radiodrama transmitido pela Australian Broadcasting Corporation em 2001.
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Tornar famosos artistas imaginários
O caminho do guerrilheiro: Uma seleção de peças pregadas por Luther Blissett / 1
O
mundo das peças pregadas na mídia por Luther Blissett está cheio de
artistas imaginários, porque é o mundo da arte que está lotado de
crédulos, alvo perfeito para quem quer difundir lendas.
Janeiro 1995. HARRY KIPPER (apenas um homônimo, nada a ver com ele),
artista conceitual inglês, desaparece na fronteira ítalo-iugoslava
durante uma volta da Europa sobre o selim de uma mountain bike, ao que
parece com o propósito de traçar a palavra "ART" no mapa do continente.
A vítima da brincadeira é Chi l'ha visto (Quem o viu),
célebre programa que busca pessoas desaparecidas, transmitido no
horário nobre pelo canal 3 da TV estatal italiana. A equipe de Chi l'ha visto
se lança no encalço do artista-ciclista, e torra dinheiro dos
contribuintes em busca de uma pessoa que nunca existiu, chegando até
Londres e passando ridículo, evitando por um triz a transmissão da
matéria, no mesmo dia em que "Luther Blissett" reivindica a troça.
Junho 1995. LOOTA é uma fêmea de chimpanzé cujas pinturas
serão expostas na Bienal de Veneza. Ex-vítima das sádicas experiências
de um laboratório farmacêutico, Loota foi resgatada pelo Animal
Liberation Front. Em seguida, tornou-se uma artista de grande talento.
Alguns jornais publicam a notícia. Pena que Loota não existe, mas no
fundo, qual o problema? Na Bienal, os visitantes desapontados podem se
consolar com uma boa quantidade de lixo produzido por seres humanos.
1998-99. DARKO MAVER
é um polêmico escultor e artista performático sérvio. Suas obras são
manequins em tamanho natural que reproduzem as feições de cadáveres
seviciados, mutilados, cobertos de sangue. Sua arte está sujeita à
censura política, e ele acaba indo parar na prisão por "conduta
anti-social". Na Itália, imagens das obras de Maver são exibidas em
Bolonha e em Roma. Um apelo em solidariedade ao artista é publicado em
revistas de arte prestigiadas e chiques. Alguns críticos famosos chegam
a afirmar que o conhecem pessoalmente. Quando "Darko Maver" morre em
sua cela durante um bombardeio da OTAN, uma foto do cadáver é publicada
na Web. Só um pequeno detalhe: aquele homem não é "Darko", e sim um
membro siciliano do LBP. A reivindicação chega à mídia poucas semanas
depois do Seppuku de Blissett. As "obras" de Maver eram fotos de
cadáveres autênticos, encontradas em rotten.com. É a última grande peça
do LBP, e o início de um novo grupo, 0100101110101101.org.
Tornar famosos lunáticos imaginários
O caminho do guerrilheiro: Uma seleção de peças pregadas por Luther Blissett / 2
A mais complexa e elaborada peça de Luther Blissett acontece no Lácio em 1997,
por obra de algumas dezenas de pessoas. Dura um ano e aborda o tema do
pânico moral com missas negras e satanismo. Cultuadores do demônio e
"caçadores de bruxas" cristãos aparecem nos bosques de Viterbo,
deixando pistas (físicas, audiovisuais e "literárias") de seus
confrontos e perseguições. A mídia local e nacional engole tudo sem
verificar as informações, vários politiqueiros entram na onda da
paranóia de massa, aparece até (e é exibido em Studio Aperto, do canal
Italia 1) o vídeo de um - meio malfeito, na verdade - ritual satânico,
até que Luther Blissett reivindica tudo e apresenta um grande volume de
provas.
"Contrainformação homeopática": injetando na mídia uma dose forte de
falso autoproduto, Luther Blissett demonstra a falta de
profissionalismo de muitos jornalistas e a falta de fundamento do
pânico moral.
A "peça de Viterbo" está reconstituída passo a passo neste artigo
publicado na época no site de La Repubblica. Em seguida, tornou-se um
case study em vários textos de sociologia e estudo dos mass media. Um
resumo de todo o fato chega a constar da seção V do "Relatório Eurispes
1999", dentro de uma longa e detalhada ficha sobre Luther Blissett.
Para dizer a verdade, segundo este texto publicado na revista francesa Multitudes, a própria inclusão no "Relatório Eurispes" de uma ficha sobre Luther Blissett foi uma peça blissettiana!
A "troça de Viterbo" fazia parte de uma campanha de informação mais
vasta, que incluía também uma longa investigação sobre o processo
contra os Meninos de Satanás,
um caso jornalístico-jurídico que agitou Bolonha no triênio 1996-98,
com acusações de violência sexual, pedofilia, abusos rituais e
homicídio (embora... não se saiba quem fossem as vítimas).
O papel do Luther Blissett Project em contrastar a "demonização por
meio da imprensa" de réus cuja inocência em seguida foi reconhecida
está registrado no livro de Antonella Beccaria Bambini di Satana - processo al diavolo. I reati mai commessi da Marco Dimitri (Nuovi Equilibri / Stampa Alternativa, 2006. Baixe grátis aqui).
A noite em que Luther Blissett seqüestrou um ônibus em Roma
Quatro
pessoas são encontradas sem passagem num trem italiano. Até aqui, nada
de incomum, pelo contrário. Só que no tribunal (no... tribunal?), na
hora de declarar os próprios dados pessoais, os quatro afirmam se
chamar "Luther Blissett".
Até algum tempo atrás, pesquisando "Luther Blissett" na Web, cedo ou
tarde era encontrado algum texto em inglês contendo essa anedota
insensata. É a versão distorcidíssima de um fato real, que se difundiu
graças à preguiça de certos jornalistas londrinos e aos estereótipos
sobre a Itália de que eles se nutrem (e com os quais nutrem seu
público). É verdade que somos um país com falta de liberalidade, praesumptio culpae e abusos policiais para dar e vender, mas vamos lá, quem é que já foi parar no tribunal por falta de uma passagem ferroviária?
Além disso, a verdadeira história é muuuuito mais interessante. Não se
trata de um trem, mas de um ônibus noturno. Aconteceu em 17 de junho de 1995.
Algumas dezenas de ravers/artistas performáticos ocupam e de alguma
maneira "seqüestram" o transporte público, armados com rádios e
estéreos portáteis gigantescos. A festa móvel, denominada "Bus
Neoísta", dura um bom tempo, até que a polícia decide bloquear a
passagem e parar o veículo.
Quando os ravers descem do ônibus, há uma altercação com os policiais,
um dos quais chega a disparar três tiros (para o alto, felizmente).
Como a festa é transmitida ao vivo pela Rádio Città Futura, e um
repórter está em contato por celular, os tiros são ouvidos por milhares
de ouvintes (clique aqui para ouvir o mp3, a 128k, do CD Luther Blissett: The Open Pop Star, WOT4, 2000).
18 pessoas são detidas. Na hora, algumas declaram que se chamam "Luther
Blissett", mas ninguém repetirá isso na delegacia.
A mídia dá ampla cobertura ao episódio, que demonstra o quanto o nome
"Luther Blissett" está penetrando em certas subculturas juvenis como
uma faca na manteiga.
Realmente não sabemos como essa confusão possa ter se transformado
naquela bobagem dos "quatro homens no trem". Houve, sim, um processo
penal contra quatro pessoas, mas certamente não por falta de passagens
(muito menos... ferroviárias). As acusações eram: resistência à prisão,
desacato à autoridade, ameaças e lesões corporais a policial em serviço.
Os acusados foram definitivamente absolvidos em 2002.
O romance Q
Fazer o possível e seguir em frente
O romance Q foi
escrito por quatro membros da coluna bolonhesa do Luther Blissett
Project, como contribuição final ao projeto, e publicado na Itália em
março de 1999. Nos anos seguintes, foi traduzido para o inglês (Reino
Unido/Commonwealth e EUA), espanhol, alemão, holandês, francês,
português (Brasil), dinamarquês, polonês, grego, russo, tcheco e
coreano.
O romance se passa no século 16, na Europa Central, durante os levantes
camponeses e revoltas populares que por pouco não fizeram "descarrilar"
a Reforma protestante, antes de serem afogados em sangue com o
entusiástico beneplácito de Lutero.
McKenzie Wark (e não "Wark McKenzie", como alguns o chamam na Itália... inclusive o seu editor) autor de Un manifesto Hacker, conclui sua resenha de Q com estas notas:
"Q é, de certa forma, um livro otimista... O tema é uma
ressurreição graças à narrativa... A narrativa também torna possível o
retorno dos marginalizados e dos sem-poder. Um retorno não no papel de
vítimas, mas como um novo tipo de heróis. O tipo de heróis que trabalha
nas situações, faz o possível e parte de novo. Um Luther Blissett."
PARECE QUE THOM YORKE TEM UMA NOVA MISSÃO :-)
Lemos numa entrevista ao Radiohead no Observer Music Monthly (9 de dezembro de 2007):
Thom está lendo Q, o livro do misterioso grupo anárquico italiano Luther Blisset [ehm...]. Experimento dizer a ele que também tentei lê-lo.
"Cara, é do caralho! Mas a minha mina, sabe, a especialização dela é
nessa área, ela me explicou tudo, do princípio ao fim. Carnificinas a
mando da Igreja, um lance medieval. Um lance complexo. Quero
transformá-lo em filme. É o meu próximo objetivo."
Você vai usar a renda de In Rainbows?
"Mmm-mm", diz Thom Yorke, balançando a cabeça. "Duvido. Mal daria pra pagar o almoço da equipe."
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Copyleft!
Desde 1996
Além da complexidade da trama e do conteúdo alegórico, o livro é
comentado pela peculiar expressão "copyleft". Quem se surpreende com
ela ignora que a crítica prática do "copyright como o conhecíamos"
sempre foi parte integrante de todas as atividades blissettianas
(vários anos antes das licenças Creative Commons, que forneceriam uma síntese inicial e precária de tantos percursos).
Da entrevista a WM publicada no livro de Antonella Beccaria Permesso d'autore:
"Na
segunda metade dos Anos 80 e na primeira metade dos Anos 90, no
Ocidente e em especial na Itália, há muito interesse pelo conceito de
‘no copyright'. Com esse título a ShaKe,
de Milão, publica também uma antologia de material sobre o tema,
editada por Raf Valvola. É um mangue com mil raízes: a cultura ‘do it
yourself' do punk rock (na capa de todos os discos hardcore-punk
italianos há o slogan ‘Fuck SIAE'*); o mundo das autoproduções e dos
fanzines (de xerox em xerox, são os fanzines que difundem o célebre
détournement do logotipo das gravadoras inglesas, a fita
cassete-caveira com o slogan ‘Home Taping is Killing Music, and It's
Illegal' substituído por: ‘Home Taping is Killing Business, and It's
Easy'); o networking da arte underground, da xerox art, da mail art, do
neoísmo (em 1988-89, Stewart Home e Florian Cramer
organizam os denominados Festivais do plágio); o mundo do cut'n'mix,
que do dub e do primeiro hip-hop chega à ‘house music' latu senso,
música feita em casa, com samplers e outras tecnologias finalmente
disponíveis para o mercado de massa. O Luther Blissett Project nasce em
1994 na encruzilhada de todas essas influências e com sugestões que
remontam mais para trás (o proto-surrealista Lautréamont disse que ‘o
plágio é necessário, progresso implica plágio'), e ainda mais para
trás, chegando até à cultura popular da era feudal, e antes ainda, ao
classicismo e à antigüidade, enfim, a antes que existissem os
institutos de propriedade intelectual."
Estes são os dizeres presentes nos livros de Blissett/Wu Ming a partir de Q:
"Está autorizada a reprodução parcial ou total da obra e sua
difusão por meios telemáticos, contanto que sem fins comerciais e com a
condição de que estes dizeres sejam reproduzidos."
Os textos de Wu Ming sobre copyright, copyleft e propriedade intelectual estão arquivados aqui.
* N. do T.: SIAE -
Società Italiana Autori e Editori. Órgão italiano que fiscaliza a
distribuição de publicações e obras gravadas e o recolhimento de royalties.
Notas para uma
Declaração dos direitos (e deveres) dos narradores
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Wu Ming
Mais do que você esperava de um grupo de escritores
Em janeiro de 2000, um quinto escritor se une aos quatro autores de Q. Nasce assim um novo grupo, Wu Ming (por extenso: Wu Ming Foundation).
"Wu - Ming"
é uma expressão chinesa, significa "sem nome" (無名) ou "cinco nomes"
(伍名), dependendo de como se pronuncia a primeira sílaba. O nome do
grupo tem tanto a intenção de homenagear a dissidência ("Wu Ming" é uma
assinatura muito comum entre os cidadãos chineses que pedem democracia
e liberdade de expressão) quanto de rejeitar a máquina de fabricar
celebridades cuja linha de montagem transforma o autor em astro. "Wu
Ming" também é uma referência ao terceiro verso do Dàodéjīng (Tao Te King): "Wu ming tian di zhi shi", "Sem nome é a origem do céu e da terra". "Wu Ming" (唔明) também pode significar "não entender" em cantonês (obrigado, Wesley!)
A rigor, não somos anônimos. Nossos nomes não são um segredo. No
entanto, usamos cinco nomes artísticos formados pelo nome do grupo mais
um número, seguindo a ordem alfabética dos nossos sobrenomes. A
formação é: Roberto Bui, aliás Wu Ming 1, Giovanni Cattabriga, aliás Wu Ming 2, Luca Di Meo, aliás Wu Ming 3, Federico Guglielmi, aliás Wu Ming 4, e Riccardo Pedrini, aliás Wu Ming 5. No período 2000-2006, a obra mais ambiciosa de Wu Ming foi 54,
um romance com dezenas de personagens (inclusive Cary Grant e o
marechal Tito) que se passa em 1954, até agora traduzido para o inglês,
holandês, espanhol e português. O livro também inspirou o grupo
folk-rock Yo Yo Mundi, cujo concept album (também chamado 54) foi lançado no início de 2004.
Os membros do grupo também escreveram livros "solo". Pela ordem: Havana Glam, de Wu Ming 5 (2001), Guerra agli Umani, de Wu Ming 2 (2004), New Thing, de Wu Ming 1 (2004), e Free Karma Food, de Wu Ming 5 (2006).
O grupo também é coautor do roteiro de Lavorare con lentezza (direção de Guido Chiesa, 2004, aqui o site oficial).
Em 2007 também foi lançada uma coletânea de jazz radical dos Anos 60 organizada por Wu Ming 1, The Old New Thing (2 CDs + livro).
New Thing
Entre os romances "solo" de membros do coletivo está New Thing,
escrito por Wu Ming 1 e publicado pela primeira vez na Itália no outono
boreal de 2004, em seguida traduzido para o francês, o espanhol e o português (Conrad Editora, março de 2008).
New Thing é definido pelo seu autor como "não um
romance, mas um objeto narrativo não-identificado". Ele é composto de
forma a simular uma seqüência de entrevistas, documentos e achados
textuais de vários tipos, ou seja, o volume de materiais brutos sobre o
qual se constrói uma investigação jornalística. Por meio da
intercalação de vozes gravadas (algumas gravadas atualmente, outras 40
anos atrás) e velhas matérias de jornal, o livro narra uma história de
jazz e de lutas pelos direitos dos afroamericanos no Brooklyn da
primavera de 1967. Enquanto John Coltrane - um dos
maiores músicos do século XX - morre consumido por um tumor, um
misterioso assassino (o "Filho de Whiteman") mata jazzistas de
vanguarda e próximos aos movimentos negros. Por toda Nova York surgem
teorias da conspiração cada vez mais tresloucadas sobre quem possa ser
o assassino e sobre o papel do governo dos EUA em todo o ocorrido. Quem
investiga de forma oblíqua e imprevisível os homicídios é Sonia
Langmut, jovem repórter meio freak, que vive em simbiose com um gravador de marca alemã, um Butoba MT-5 do qual jamais se separa. New Thing,
na realidade, é uma investigação conduzida atualmente sobre o
misterioso desaparecimento de Sonia, de quem ninguém mais tem notícias
há décadas.
Um exercício de lógica em benefício dos aparvalhados
Quem, ainda hoje, continua dizendo frases do tipo:
1) "Os 5 escritores que se escondem por trás do pseudônimo coletivo ‘Wu Ming'..."
2) "Que sentido faz não assinarem seus verdadeiros nomes, se na realidade todos sabem como eles se chamam?"
está convidado a efetuar as seguintes substituições:
"97" no lugar de "5"; "músicos" no lugar de "escritores"; "London Symphony Orchestra" no lugar de "Wu Ming".
O absurdo das afirmações acima deveria ficar ululante. Mas se ainda
houver dúvidas, aqui está uma citação de boa safra (de Giap n.1, IVª
série, 21/01/2003):
"Wu Ming" é o nome de um grupo de
cinco pessoas, de uma banda, como "The Rolling Stones" ou "I Giganti"
ou "Premiata Forneria Marconi" [...] ninguém jamais acusou de
velhacaria um grupo de rock por usar um nome coletivo, senão todos
deveriam fazer como o Emerson, Lake & Palmer ou o Crosby, Stills,
Nash & Young. O que vocês [achariam] de um livro assinado por "Bui,
Cattabriga, Di Meo, Guglielmi & Pedrini"? [...] O nome deste grupo,
em chinês, tem um significado, que é "anônimo", mas não quer dizer -
literalmente, banalmente - que nós mesmos queiramos ser paranoicamente
anônimos, e sim que nossos nomes e nossa eventual presença no miserável
estrelato da narrativa itálica não devem se revestir de especial
importância, nem para nós, nem para os leitores. Se nomes de grupos
devessem ser interpretados literalmente, então Sting, Andy Summers e
Stewart Copeland deveriam ser considerados policiais para todos os
efeitos, e poderíamos ir comprar pão na padaria Marconi. Dentro deste
grupo, cada um de nós usa uma espécie de "nome artístico", que é
formado pelo nome do grupo mais um número, seguindo a ordem alfabética
dos nossos sobrenomes [...] de grupos cujos membros individuais
tivessem nomes artísticos, a história do rock (e sobretudo do punk)
está lotada: no Sex Pistols havia "Johnny Rotten" e "Sid Vicious", que
na verdade se chamavam John Lydon e John Beverley.
O uso de pseudônimos, heterônimos, nomes artísticos, [é] constante e
onipresente em todas as épocas... no rock em mil casos, na literatura
(Ed McBain e Evan Hunter são dois escritores diferentes, mas são também
a mesma pessoa, isso sem falar de Pessoa)...
O romance Manituana
Primeiro volume de um tríptico do século XVIII
Em 20 de março de 2007, chegou às livrarias italianas o romance coletivo Manituana,
no qual trabalhamos desde o final de 2003. Ele se passa na década de
1770, dos dois lados do Atlântico, e é o primeiro volume de um tríptico
do século XVIII que nos manterá empenhados até pelo menos 2012.
Manituana também faz parte de um projeto transmídia de "construção de
mundo", uma narrativa que prossegue em vários meios e com várias
linguagens (música, quadrinhos, vídeo, etc.). O eixo desse projeto é o
site oficial manituana.com.
Em maio de 2007, oito grupos do selo independente Casasonica (fundado pelo Subsonica) gravaram igual número de faixas inspiradas em Manituana, uma das possíveis trilhas sonoras do livro.
Com Manituana, conseguimos nosso pequeno recorde de colocação na lista dos mais vendidos.
Uma primeira reflexão sobre as vendas de 2007 está na nossa "Carta do cavalo de Tróia" (31/01/2008). |
Lista incompleta de lendas urbanas e boatos a nosso respeito
"Incompleta" porque a lista completa seria maior do que Ana Karênina.
Tem muita gente por aí vítima de "paranóia Blissett/Wu Ming", que passa
boa parte de sua existência divulgando nossos presumidos maus atos. Há
quem faça isso porque ficou tempo demais sob o sol a pino com a cabeça
descoberta, e quem faça simplesmente para caluniar. Já estamos
acostumados a nos ver atribuídas as posições e intenções mais
engraçadas e a sermos avistados por toda parte, como se fôssemos OVNIs.
Estamos por trás de cada moita, de cada pseudônimo usado na rede, de
cada operação de marketing editorial concebida neste país nos últimos
dez anos, e obviamente somos os mandantes e/ou executores de cada
complô imaginável (macro e micro, de esquerda, de direita e de centro,
hebraico e/ou anti-semita, etc.). Na rede há realmente de tudo, por
exemplo, este panfleto clérigo-fascista de 1997,
mas em Indymedia estão escritas coisas mais radicais ainda, e há também
um jornalista que nos acusa de persegui-lo de todas as maneiras. Pelo
que ele diz, teríamos até manipulado o Google para associar seu nome e
sobrenome a URLs de sites pornográficos, e seríamos também os
verdadeiros autores de 100 Escovadas Antes de Dormir, de Melissa P! :-D
Também ficamos sabendo de um camarada que deve ter visto Lavorare con lentezza
e confundido autores e personagens. De fato, ele afirma que foi
agredido em 1977 por alguns autônomos armados com sarrafos, e que se
defendeu brandindo um tubo de gás. Entre os agressores estava também Wu
Ming 1, que nosso herói atingiu na testa, afugentando-o. Tudo isso em
Piazza Re Enzo, em Bolonha. Em 1977, Wu Ming 1 morava em Dogato (FE) e
cursava a primeira série do primário nas escolas "G. Carducci".
Um dia alguém estudará a fundo esses curiosos mecanismos psicológicos e
fenômenos de guerrilla marketing involuntário em nosso benefício. Aqui,
vamos desconsiderar as mais selvagens derivações psicóticas dos
conspiracionistas para nos concentrar em poucos lugares-comuns
associados à nossa atividade.
1. 1. Segundo alguns, seríamos ligados, de alguma
maneira, a Umberto Eco e/ou teríamos sido seus alunos, e/ou Eco teria
colaborado com Q e/ou teria até escrito o livro inteiro e nós seríamos
meros "não-nomes emprestados", e/ou Q seria um romance muito parecido com O Nome da Rosa.
Nada haveria de mal nisso, mas fazemos questão de esclarecer que não somos ligados a Umberto Eco, não fomos seus alunos, não tínhamos seu primeiro romance em mente quando mergulhamos de cabeça na empreitada de escrever Q. Este último nos parece um livro muito diferente de O Nome da Rosa.
Diferente a época (Idade Média em um, nascimento da Era Moderna no
outro), diferente a inspiração (o romance policial clássico inglês num
caso, o romance de aventura no outro), diferentes a ambientação e a
estrutura (unidade aristotélica num livro, andamento picaresco e
vagabundo no outro; limitado leque de personagens num livro, multidão
descortinada no outro), e totalmente diferentes as escolhas
estilísticas. Claro, ambos os livros falam de revoltas, de heresia e de
Inquisição, mas então também poder-se-iam fazer comparações entre Q e Taxi Driver (as duas obras falam de loucos e cafetões) ou entre Q e a quebra da Parmalat (o romance fala de bancos e fraudes).
"Temo que os jornalistas britânicos tenham se apegado a essa idéia
somente porque O Nome da Rosa foi o último livro italiano que leram
antes do nosso." (Wu Ming 1 entrevistado por The Guardian, 28 de agosto de 2003) Isso, obviamente, vale também para alguns jornalistas italianos.
2. Segundo alguns, nós seríamos "situacionistas". Na
Grã-Bretanha, então, há quem teime em nos definir como "anárquicos".
Deveras, deveras, deveras intrigante. Tais epítetos ainda têm
significado, ou são jogados nas costas de alguém meio ao acaso, na
falta de algo sensato a se dizer (e depois citados em boa fé por
outros, e considerados válidos)? As nossas poéticas e estratégias não
têm absolutamente nada a ver com a teoria daquela que se definiu
"Internacional Situacionista", herdeiros e agregados inclusos. Quanto
aos anárquicos, nós os respeitamos (pelo menos alguns), mas nossa
história é diferente.
3. Corre o boato de que teríamos espancado um
fotógrafo "culpado" de nos imortalizar. Mudam a data e o local, mas o
sumo das várias versões é esse. Bem, isso nunca aconteceu, em nenhuma
circunstância. Porém, é verdade que, como Awda Abu Tayy em Lawrence da Arábia ou King Kong na famosa cena dos flashes, não somos animais fotográficos. Nem aparecemos na tevê. Somos tímidos.
Bibliografia
Q (Einaudi, Torino 1999 - Mondadori, Barcelona 2000 - Seuil, Paris 2001 (title: L'Oeil de Carafa) - Wereldbibliotheek, Amsterdam 2001 - Hovedland, Jøbjerg 2001 - Travlos, Athena 2001 - Piper, München 2002 - Conrad, São Paulo 2002 - Heinemann, London 2003 - Harcourt, Orlando, FL 2004 - Wydawnictwo Albatros, Warszawa 2005)
Asce di guerra (Vitaliano Ravagli e Wu Ming, Tropea, Milano 2000)
Havana Glam (Wu Ming 5, Fanucci, Rome 2001)
54 (Einaudi, Torino 2002 - Mondadori, Madrid 2003 - Vassallucci, Amsterdam 2003 - Harcourt, Orlando, FL 2004)
Esta revolución no tiene rostro (Acuarela, Madrid 2002)
Giap! (Einaudi, Torino 2003)
Guerra agli umani (Wu Ming 2, Einaudi, Torino 2004)
New Thing (Wu Ming 1, Einaudi, Torino 2004; Métailié, Paris 2007)
Asce di guerra 2005 (Vitaliano Ravagli e Wu Ming, Einaudi, Torino 2005)
Free Karma Food (Wu Ming 5, Rizzoli, Milano 2006)
Manituana (Wu Ming, Einaudi, Torino 2007)
Previsioni del tempo (Edizioni Ambiente, Milano 2008)
Última atualização: 19 de fevereiro de 2008
Tradução: Michele A. Vartuli
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