Estadão on line, www.estadao.com.br, Quinta-feira, 31 de outubro de 2002 - 13h27


Design narrativo para as novas gerações


Pergunte a qualquer professor de Semiologia ou antropólogo e ele lhe dirá como as narrativas que nos cercam - as histórias que ouvimos dos amigos, vemos no cinema, lemos em livros e revistas, etc. - são importantes na formação de nossas identidades, expectativas e pontos-de-vista. Religiões são transmitidas sob a forma de narrativas, como os Evangelhos; e ter aspirações na vida muitas vezes se confunde com aspirar ao papel de protagonista num determinado tipo de história, seja um conto de fadas ou um "case" de marketing.

Claro, a situação não é de todo desprovida de perigos. Como diz Tyler Durden em Clube da Luta : "A publicidade nos faz trabalhar em empregos que detestamos para comprar porcarias de que não precisamos (...) Fomos criados numa dieta de TV para acreditar que um dia seríamos milionários, deuses do cinema e astros de rock". A ironia de ter Brad Pitt fazendo esse discurso só aumenta a percepção de que milhões, ou bilhões, de pessoas em todo o mundo certament e se sentem insatisfeitas, inconformadas ou até mesmo traídas pelas narrativas que moldam - que permitiram que moldassem - suas vidas.

O que fazer?

Bem, talvez Wu Ming tenha algo para você. Definindo-se, em sua própria Declaração de Intenções como um "laboratório de design literário que trabalha em diversos media" e, em seguida, explicando-se como uma "marca", "gerida por um colectivo de agitadores da escrita, que se constituiu como uma empresa independente de " 'serviços narrativos' ", Wu Ming é um grupo de cinco ativistas da esquerda italiana dedicado à criação de mitos e narrativas com caráter alternativo.


Cooperação sem nome

A ênfase, em Wu Ming, recai sobre a coletividade e a cooperação. No lugar do autor superstar, que se desdobra entre aparições em talk-shows, fotos, páginas sociais e acumula honras para si mesmo, Wu Ming é apenas Wu Ming, uma marca feita de dois ideogramas e que significa, literalmente, "Nenhum Nome".

O artigo Myth-making and catastrophes, disponível online, explica algumas das bases do movimento. Como no trecho: "...uma exploração prática das mitologias, de forma a entender se uma desconstrução, manipulação e reutilização dos mitos de forma não-alienante e libertária seria ou não possível (...) As fontes de inspiração foram as antigas lendas de heróis populares, a linguagem adotada pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional, o cinema de gênero e a cultura pop ocidental em geral..." Cinema de gênero (em inglês, "genre cinema"), é uma expressão que se refere coletivamente a filmes como os de ficção científica, terror, ação e policial.

Quatro dos membros de Wu Ming são os autores do romance "Q", publicado no Brasil como "Q - O Caçador de Hereges", pela Conrad Editora, assinado pelo pseudônimo coletivo Luther Blissett. Mas, enquanto o projeto Luther Blissett minava a própria credibilidade da indústria cultural, Wu Ming tenta usá-la.


No Brasil

Roberto Bui, um dos cinco membros do coletivo Wu Ming, está no Brasil nesta semana. Para ontem, quarta-feira, estava marcada uma mesa-redonda com a participação dele, em São Paulo, sobre coletivos, comunidades na Web e a temática copyleft - "copyleft", trocadilho com "copyright", é o estatuto que se aplica à produção intelectual distribuída sem limitação ao direito de fazer cópias, desde que as cópias não tenham fim lucrativo.

"Há uma diferença clara", explica Bui, em entrevista via e-mail, "entre a porcentagem do preço de capa que recebemos da venda de nossos livros e o dinheiro que não queremos receber, do copyright, isto é, da limitação à reprodução de nossos livros". Ele completa: "Consideramos que seria imoral impedir as pessoas de copiar nossos livros, especialmente as pessoas que não têm o dinheiro para comprá-los. Se você compra um de nossos romances, você nos ajuda a sobreviver e a ter uma renda, mas se você não tem o dinheiro preferimos que copie o livro e leia, em vez de perder a oportunidade".

"Vivemos de escrever romances", diz Roberto Bui. " 'Q' vendeu mais de 200.000 exemplares na Itália, 50.000 na Espanha e assim por diante".

Desde que surgiu, em janeiro de 2000, Wu Ming já escreveu e publicou três romances: Asce di Guerra, Havana Glam e 54. Bui diz que o coletivo está trabalhando num roteiro cinematográfico sobre o movimento estudantil de 1977 em Bolonha (Itália). A partir de seu wbsite, o Wu Ming Foundation, o grupo emite uma revista eletrônica, a Giap.

No site há textos e artigos da Giap vertidos para diversas línguas, incluindo o português. O coletivo também prepara uma coletânea de textos políticos a ser publicada na Espanha, com o sugestivo título Esta revolucion no tiene rostro. Ah, sim: o conteúdo do Wu Ming Foundation pode ser copiado sem problemas.



Portuguese
main menu